A proposta de aumento da alíquota do ICMS, de 17% para 25%, no envio de produtos importados de até US$ 50 ao país, colocou as plataformas estrangeiras e as redes e indústrias nacionais em posições opostas. A alta deve encarecer as compras internacionais dos brasileiros – nesta importação, é o cliente final que paga este imposto.
No ano passado, o debate em torno de uma nova política de itens vindos do exterior de até US$ 50 trouxe desgastes na imagem do governo, e colocou as companhias locais e grupos internacionais, principalmente asiáticos, em campos contrários.
A questão se arrasta na Justiça, mas, neste momento, a regra válida é a cobrança de 17% de ICMS e isenção de imposto de importação (de 60%) para lojistas estrangeiros que seguem um programa de conformidade do governo.
Foi nesse ambiente que o tema da elevação do ICMS ganhou força, principalmente após fevereiro. Nos bastidores, representantes dos setores têm se movimentado em debates junto aos Estados, e cresce nos governos a linha favorável à elevação, para 25%, defendida também pelas empresa locais, apurou o Valor.
É uma forma de os Estados recomporem perdas na arrecadação e reforçarem o caixa após 2025. Se a alíquota subir, a mudança será válida após o ano que vem.
O Valor apurou que a alta cúpula dos marketplaces estrangeiros Shein e AliExpress apoiam a manutenção em 17% para evitar uma possível queda nas vendas com o aumento, e já começaram a se posicionar sobre isso – a Shein veio a público questionar uma eventual elevação dias atrás.
Na prática, esses 25% equivalem a uma alíquota no preço final de 32% porque se trata de uma cobrança de imposto que incide sobre ele mesmo, ou sobre outros tributos, e não apenas sobre o valor do produto.
As empresas nacionais defendem o aumento na alíquota para reduzir a diferença na carga tributária que incide sobre os grupos locais e estrangeiros. As companhias alegam que a carga tributária do varejo, da produção à venda, atinge 109%, enquanto para os estrangeiros há apenas os 17% de ICMS.
Já na percepção das plataformas, diz uma fonte, o índice seria menor que os 109%, que considera a tributação na fabricação, que não cabe ao varejo. E empresas como Shein e Shopee já vendem produtos de lojistas locais. Então o impacto do ICMS nos importados tornou-se menos relevante na venda.
Desde a metade de 2023, o IDV, principal instituto do varejo, ao lado da CNC e CNI, as confederações do comércio e indústria, criticam duramente a decisão do governo federal de eliminar o imposto de importação de 60%, dentro das regras do programa Remessa Conforme.
Em 2023, houve pelo menos três reuniões das entidades com o ministério da Fazenda, para se definir nova alíquota do imposto de importação, mas não houve apoio do governo, que manteve a isenção para as plataformas estrangeiras.
É aí que está a maior parte desse incômodo das empresas brasileiras com o tema, que volta à tona com o debate em torno do ICMS.
“Mesmo com o ICMS indo de 17% para 25% não elimina o fato de que há falta de isonomia tributária entre as empresas. Essa questão continua na mesa para nós. Um aumento da alíquota reduz só uma pequena parte desse grande desequilíbrio”, diz Jorge Gonçalves Filho, presidente do IDV, com cerca de 70 redes associadas.
Varejistas e a indústria veem risco de o debate ser contaminado pela pauta política
Gonçalves critica a visão de que um aumento afetaria o bolso das famílias mais pobres. Em nota na semana passada, a Shein criticou mudança na alíquota e disse que os principais compradores em sua plataforma são das classes C, D e E.
“Há estudos da Locomotiva [consultoria em consumo] que mostram que a maioria dos compradores em sites e apps estrangeiros é rica e da classe média. Levantar essa questão social não faz sentido”. Segundo o estudo 59% dos compradores têm renda familiar acima de R$ 4.849.
A questão do ICMS ganhou relevância maior nos últimos dias por outros dois fatores.
Houve uma reunião, na quinta-feira (11), no Comitê Nacional de Secretários Estaduais de Fazenda (Comsefaz), em Fortaleza (CE), que tratou do tema e não houve definição sobre a alíquota entre os Estados, após debate que envolveu, inclusive, representantes de plataformas e de indústrias nacionais.
O Valor apurou que esses representantes foram ouvidos separadamente no encontro. Um interlocutor não teve acesso a apresentação do outro. Ao fim do dia, o Comsefaz disse que iria adiar a decisão sobre a alíquota “para ampliar análise” e estudos do tema.
Ocorre que essa definição deve ocorrer em nova reunião do comitê apenas em julho, e esse intervalo de tempo pode mudar o cenário.
Varejistas e a indústria entendem que há um risco de o debate acabar sendo contaminado pela pauta política do segundo semestre, período de eleição municipal. “É pouco provável que os Estados queiram falar em aumento de imposto e de preço ao consumidor a poucos meses das eleições, pelo desgaste que isso gera, mesmo sendo eleição municipal e não estadual. Isso pode adiar uma definição”, diz uma fonte ligada à indústria de moda.
Para Gonçalves, do IDV, seria possível promulgar uma mudança após outubro ou novembro, fora do periodo eleitoral, o que reduziria o risco político.
Publicamente, as plataformas falam que estão abertas à discussão, chegam a defender equidade tributária, mas batem na tecla de que a alta é prejudicial ao cliente.
Em nota ao Valor, o AliExpress disse que permanece disponível ao diálogo, levando em consideração o consumidor. E que pesquisas relatam que o cliente se mostra contrário ao aumento da taxa. Ainda diz que a mudança ocorreria num momento em que o público ainda se adapta ao Remessa Conforme.
A Shein apoia a decisão do Comsefaz de aprofundar o debate, diz que é preciso buscar “justiça tributária”, mas lembrou que quem pagará pela alta será o cliente. E defendeu uma solução justa “que não onere” o consumidor. Procurada, a Amazon não se manifestou.
A Shopee informa que tem três milhões de vendedores brasileiros que representam mais de 90% das vendas, e apoiam os empreendedores e mudanças que ajudem o lojista brasileiro.
Fonte: Valor Econômico