No Brasil, 154,3 milhões de pessoas fazem parte das classes C, D e E, respondendo por 76% da população brasileira. A maioria (55%) tem até 34 anos e não concluiu o ensino médio (56%). Metade (50%) trabalha sem carteira assinada ou por conta própria sem CNPJ. Além disso, são majoritariamente negros (62%) — ou seja, declaram-se pretos ou pardos –, sendo que 74% afirmam que já sofreram algum tipo de preconceito. Outra marca importante é o protagonismo feminino: 52% dos lares da população de baixa renda são chefiados por mulheres.
Essas são as características do que o Instituto Locomotiva e a PwC Brasil classificam de Mercado da Maioria, essa importante camada de consumidores com hábitos, desejos e expectativas próprios. Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva, explica que o conceito trata dos consumidores no meio e na base da pirâmide econômica, que tiveram uma ascensão no início dos anos 2000.
“É inegável que a ascensão das classes C, D e E está redefinindo o panorama do varejo brasileiro. Essa parcela da população, que historicamente era vista como um mercado secundário, vem ganhando cada vez mais relevância e se tornando um verdadeiro motor da economia”, comenta Meirelles, em entrevista exclusiva para o Portal Varejo S.A..
As classes de baixa renda foram o objeto do estudo ‘Mercado da maioria – como a força da população de baixa renda está transformando o setor de varejo e consumo no Brasil’, divulgado no final do ano passado e realizado pelo Instituto Locomotiva e a PwC Brasil. As empresas de pesquisa avaliaram dados demográficos e socioeconômicos do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e entrevistaram quase 2,4 mil pessoas de todo país.
“Os brasileiros das classes C, D e E têm características e comportamentos diferentes em comparação com o que era visto alguns anos atrás. São novas demandas e nuances regionais que precisam ser consideradas pelas organizações”, alerta Luciana Medeiros, sócia e líder da indústria de Consumo e Varejo da PwC Brasil, no relatório divulgado pelas consultorias.
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O Instituto e a PwC identificaram que, para o Mercado da Maioria, o consumo é considerado uma questão de conquista e esforço pessoal, especialmente após terem sido fortemente atingidos pela crise econômica gerada pela pandemia de Covid-19. Segundo o levantamento, 61% se esforçam para comprar coisas que não tiveram condições financeiras de ter quando eram mais jovens; e 71% se sentem realizados quando economizam para comprar um produto e conseguem. Além disso, são consumidores que buscam fazer compras inteligentes, aliando preço, qualidade, praticidade e conforto. Quase 70% valorizam produtos de qualidade por preço justo.
“As empresas precisam entender as especificidades desse segmento. As classes C, D e E têm um comportamento de compra único, que exige soluções personalizadas. É preciso oferecer produtos e serviços com preços competitivos, boa qualidade e que atendam às suas necessidades e expectativas”, destaca o presidente do Instituto Locomotiva.
Apesar de estarem mais próximas da população de baixa renda, as MPEs (micro e pequenas empresas) ainda têm desafios significativos para atender às demandas desses consumidores. “As PMEs (pequenas e médias empresas) estão caminhando e têm a vantagem da “barriga no balcão”, mas há um longo caminho a ser percorrido para que o mercado atenda de forma adequada às demandas desse público”, avalia Renato Meirelles, que nesta conversa exclusiva traz ainda vários insights para os varejistas de pequeno porte aplicarem.
“Os varejistas precisam encontrar formas de reduzir seus custos para poder oferecer produtos com preços acessíveis. Isso pode ser feito através da negociação com fornecedores, da otimização da logística e da redução de desperdícios”, orienta o presidente do Instituto Locomotiva. “Podem ainda criar marcas próprias, que geralmente são mais baratas que as marcas tradicionais para oferecer produtos de qualidade com preços acessíveis”, acrescenta.
Leia a entrevista exclusiva com Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva, sobre o Mercado da Maioria e confira suas dicas para atender à demanda do maior grupo de consumidores do Brasil:
1) Como a força da população de baixa renda está transformando o setor de varejo e consumo no Brasil? É um bom negócio apostar nessa camada de consumidores?
RM (Renato Meirelles) – É inegável que a ascensão das classes C, D e E está redefinindo o panorama do varejo brasileiro. Essa parcela da população, que historicamente era vista como um mercado secundário, vem ganhando cada vez mais relevância e se tornando um verdadeiro motor da economia.
Podemos observar essa transformação em diversos aspectos. Primeiro, no aumento do consumo, impulsionado pelo crescimento da renda e da oferta de crédito. Segundo, na mudança nos hábitos de compra, com os consumidores buscando cada vez mais preços acessíveis, praticidade e valor. Terceiro, na expansão do e-commerce, que facilita o acesso a produtos e serviços para essa população.
As empresas precisam entender as especificidades desse segmento. As classes C, D e E têm um comportamento de compra único, que exige soluções personalizadas. É preciso oferecer produtos e serviços com preços competitivos, boa qualidade e que atendam às suas necessidades e expectativas.
2) O levantamento também fala em “nova matemática do consumo”. O que o consumo significa para as classes C, D e E?
RM – O estudo do Instituto Locomotiva em parceria com a PwC revela que as classes C, D e E representam 76% da população brasileira e respondem por quase metade do consumo do país. Essa ascensão, impulsionada pelo crescimento da renda e da oferta de crédito, redefine o panorama do varejo e consumo no Brasil, criando uma “nova matemática do consumo”.
O consumo é visto como uma forma de conquista e realização pessoal. É a oportunidade de adquirir bens e serviços que antes eram inacessíveis, como eletrodomésticos, smartphones e viagens. O consumo representa a ascensão social e a melhoria da qualidade de vida.
As classes C, D e E são também extremamente preocupadas com o valor e buscam o máximo de retorno para o seu investimento. Elas são especialistas em pesquisar preços, comparar ofertas e encontrar o melhor custo-benefício. A praticidade também é um fator importante, e os consumidores valorizam soluções que facilitam o dia a dia, como compras online e serviços de entrega rápida.
Por fim, o consumo vai além da mera aquisição de produtos. As classes C, D e E buscam experiências personalizadas que atendam às suas necessidades e desejos. As empresas que desejam se conectar com esse público precisam oferecer produtos e serviços que sejam relevantes para a sua vida e que proporcionem uma experiência de compra agradável.
Em resumo, a “nova matemática do consumo” para as classes C, D e E significa que o consumo vai além da mera aquisição de bens e serviços. É uma forma de conquista, realização pessoal, busca por valor e praticidade, experiência personalizada, consciência e responsabilidade. As empresas que desejam se conectar com esse público precisam entender suas necessidades e expectativas e oferecer soluções personalizadas que atendam às suas demandas.
3) Você acredita que as empresas do varejo, especialmente as MPEs, conseguem ver o potencial do consumidor de baixa renda? O mercado está atendendo adequadamente às demandas desse consumidor?
RM – As PMEs estão caminhando e têm a vantagem da “barriga no balcão”, mas há um longo caminho a ser percorrido para que o mercado atenda de forma adequada às demandas desse público. Precisam entender as necessidades e expectativas, oferecer preços acessíveis, garantir a qualidade dos produtos e serviços e oferecer um bom atendimento.
Recapitulando, as classes C, D e E possuem um comportamento de compra único, que exige soluções personalizadas; o preço é um fator determinante; e não abrem mão da qualidade e do bom atendimento.
4) Para encerrar, gostaria que indicasse 3 medidas que os varejistas devem tomar para atender ao consumidor de baixa renda e, com isso, fazer o negócio crescer?
RM – A primeira é entender as necessidades e expectativas do consumidor de baixa renda. É fundamental que os varejistas realizem pesquisas de mercado para entender melhor as necessidades e expectativas do consumidor de baixa renda. Isso pode ser feito através de entrevistas, questionários e grupos focais. Os varejistas também podem analisar dados de consumo para identificar os produtos e serviços mais procurados pelas classes C, D e E. O próximo passo é observar o comportamento do consumidor em lojas físicas e online também pode ajudar os varejistas a entender suas necessidades e expectativas.
A segunda medida é oferecer produtos e serviços com preços acessíveis. Os varejistas precisam encontrar formas de reduzir seus custos para poder oferecer produtos com preços acessíveis. Isso pode ser feito através da negociação com fornecedores, da otimização da logística e da redução de desperdícios. Podem ainda criar marcas próprias, que geralmente são mais baratas que as marcas tradicionais, para oferecer produtos de qualidade com preços acessíveis. E aqui entram as promoções e descontos, que são uma ótima maneira de atrair o consumidor de baixa renda. Os varejistas podem oferecer promoções em produtos específicos, em datas comemorativas ou em períodos de baixa temporada.
A terceira medida é oferecer um bom atendimento ao consumidor, e para isso, é preciso treinar os funcionários. O consumidor de baixa renda espera um atendimento cordial, atencioso e eficiente. Não podem faltar os canais de atendimento ao cliente, para que os consumidores possam tirar dúvidas, fazer reclamações e dar sugestões, e o ambiente de compra agradável. As lojas devem ser limpas, organizadas e com boa iluminação.
Ao tomar essas medidas, os varejistas podem atender melhor o consumidor de baixa renda e fazer o negócio crescer.
Dicas bônus
Renato Meirelles apresenta mais três iniciativas que podem ser tomadas pelas MPEs do varejo que querem atender ao Mercado da Maioria. Confira:
1) Oferecer crédito: o crédito pode ser uma importante ferramenta para o consumidor de baixa renda adquirir produtos e serviços. Os varejistas podem oferecer crédito próprio ou parcerias com instituições financeiras.
2) Oferecer serviços de entrega: os serviços de entrega podem ser uma grande vantagem para o consumidor de baixa renda, especialmente para aqueles que não possuem carro ou que moram em áreas distantes dos centros comerciais.
3) Oferecer educação financeira: a educação financeira pode ajudar o consumidor de baixa renda a administrar melhor seu orçamento e evitar o endividamento. Os varejistas podem oferecer cursos de educação financeira ou disponibilizar materiais informativos sobre o tema.
Fonte: Fernanda Peregrino/Varejo S.A