A proposta da Inteligência Artificial (IA) aplicada ao marketing é entregar experiências cada vez mais personalizadas. Mas, até que ponto essa personalização é real? À medida que algoritmos passam a definir o que vemos, desejamos e consumimos, cresce a discussão sobre a “padronização disfarçada de personalização”.
Um estudo da CX Brain batizou esse fenômeno de “curadoria do desejo induzido”. O termo descreve como a sensação de liberdade de escolha é substituída por uma lógica condicionada, na qual a IA apresenta opções dentro de um universo limitado, baseado no histórico do usuário. Em outras palavras, as decisões continuam sendo nossas, mas dentro de uma vitrine montada pelos algoritmos.
Essa tendência levanta dilemas importantes: como a personalização pode ampliar, e não restringir as possibilidades de escolha? Até que ponto recomendações automatizadas ajudam o consumidor ou apenas reforçam padrões? E qual deve ser o papel das marcas em equilibrar conveniência e diversidade?
Para entender os riscos e as oportunidades desse cenário, conversamos com Lucas Brossi, sócio e líder da prática de IA da Brain & Company na América do Sul. Ele analisa como as empresas podem usar Inteligência Artificial sem cair na armadilha da homogeneização das experiências.
Confira a entrevista completa!
Homogeneização x descobertas significativas
Consumidor Moderno: A promessa da IA é criar experiências altamente individualizadas. Mas, há também a percepção de que, como consumidores, estamos nos tornando cada vez mais parecidos. Como as empresas podem fugir da padronização disfarçada de personalização?
Lucas Brossi: De fato, a IA oferece um enorme potencial para personalização em escala, com retornos significativos para o negócio – como aumento de 10% a 25% no ROI de campanhas publicitárias. No entanto, há o risco de que esse poder leve à homogeneização da experiência do consumidor.
A melhor forma de evitar essa padronização é adotar uma abordagem híbrida. As empresas mais eficazes combinam a capacidade da IA de gerar múltiplas versões de conteúdos com a curadoria humana. Ou seja, a tecnologia propõe, mas é a equipe criativa, com visão estratégica e sensibilidade cultural, que ajusta a mensagem final. Essa combinação ajuda a manter a autenticidade da marca e a diversidade nas interações com o consumidor.
Além disso, segundo pesquisas da Bain, o crescimento dos agentes de IA como intermediários no marketing aumenta a necessidade de manter uma identidade de marca distinta. Isso exige que as companhias não deixem a IA ditar totalmente a experiência, mas que integrem criatividade humana para garantir diferenciação e valor emocional.
CM: Na prática, como garantir que a personalização proporcionada pela IA amplie as escolhas reais do consumidor em vez de restringi-las a uma bolha pré-determinada?
O verdadeiro valor da IA está em proporcionar descobertas significativas, não apenas em repetir recomendações baseadas em padrões anteriores. Para isso, é essencial usar IA generativa como um instrumento de inspiração, permitindo que consumidores explorem novos caminhos – produtos, ideias, combinações – que eles talvez não encontrassem sozinhos.
Além disso, é importante incluir mecanismos de feedback contínuos. Isso significa que os consumidores devem ter formas práticas de expressar o que gostam, rejeitar o que não gostam e influenciar a personalização de forma ativa. Esse ciclo ajuda a IA a se ajustar de maneira mais precisa e relevante para cada pessoa.
Sabemos que os consumidores não querem apenas facilidade ou agilidade: eles buscam relações com propósito. Isso significa que a IA deve apoiar jornadas mais ricas e menos previsíveis, promovendo experiências que ampliem, e não limitem, a autonomia e o repertório do consumidor.
Diversidade criativa
CM: Existe um risco real de que os algoritmos, ao promoverem continuamente tendências, cores e estilos específicos, reduzam a diversidade criativa e cultural do mercado? Como evitar essa armadilha?
Sim, esse risco existe. Os modelos de IA são treinados com dados históricos e isso pode reforçar padrões dominantes, ignorando nuances culturais, regionais ou emergentes. Se não forem acompanhados por uma curadoria crítica, esses sistemas podem empobrecer a diversidade criativa.
A chave para minimizar este risco está na supervisão humana. As melhores práticas envolvem incorporar profissionais criativos e estrategistas que filtrem os outputs da IA com um olhar culturalmente sensível. Eles devem adaptar, reinterpretar e, se necessário, rejeitar sugestões que não estejam alinhadas aos valores da marca ou à pluralidade que o público espera.
Conforme os agentes de IA passarem a ocupar o centro da relação com o consumidor, existe o risco de priorizar padrões que maximizem a eficiência, mas que reduzam a pluralidade estética e cultural. Combater isso exige que os dados usados sejam diversos e constantemente atualizados, com equipes humanas revisando os outputs de forma crítica.
Recomendações de IA
CM: O consumidor tem, atualmente, meios reais para questionar ou corrigir recomendações feitas por sistemas de IA? Qual deveria ser o papel das empresas em promover essa interação?
Hoje, os consumidores estão cada vez mais conscientes da influência dos algoritmos em suas jornadas de compra e interação. Eles esperam das empresas transparência e controle real sobre suas experiências personalizadas. Por isso, as companhias devem se preocupar em oferecer transparência sobre como os dados são coletados e usados; criar mecanismos acessíveis para que o consumidor possa revisar, ajustar ou excluir preferências; e, principalmente, garantir a presença de suporte humano, especialmente em momentos em que a IA falha em compreender contextos mais complexos.
Nossas pesquisas apontam que os consumidores valorizam empresas que facilitam suas jornadas e os envolvem em experiências mais humanas, nas quais possam se sentir ouvidos, compreendidos e capazes de moldar a forma como a organização se comunica com eles. Para isso, os sistemas de IA devem ser ajustáveis e aprender continuamente com o comportamento e o feedback do usuário, explícito ou implícito. Companhias que promovem esse tipo de interação constroem vínculos mais duradouros e relevantes.
Fonte: Bianca Alvarenga/Consumidor Moderno